Tuesday, March 06, 2007

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E CONCEITOS SOBRE A BASE PROJECTUAL

HIPERTEXTO

O conceito de hipertexto foi teorizado num artigo escrito em 1945 por Vannevar Bush e surge na década de 60 pela mão de Ted Nelson. O artigo de Bush remete-nos para a noção da necessidade da criação um dispositivo prático e funcional, onde grandes quantidades de informação possam ser guardadas e interligadas, de forma a que a sua consulta se faça de uma forma mais rápida e eficaz. Esta necessidade parte das dificuldades dos investigadores em chegar às informações pretendidas, que assentava nas deficientes condições em que a mesma era armazenada, organizada e catalogada - por ordenação alfabética ou numérica - e que parte de uma lógica altamente artificial, com resultados infrutíferos ao sujeito da pesquisa. Para dar resposta a esta necessidade, Bush teoriza uma máquina, denominada "memex", que actua em consonância com o funcionamento do cérebro, por um processo de associação de ideias que permite seguir um processo natural de investigação por associação, mesmo antes do advento da tecnologia digital, em que um processo semelhante à textualidade virtual seria essencial para as mudanças que ele sugeria.
Desse modo, o conceito de hipertexto define-se como uma forma de escrita não linear, em que a informação surge ligada em rede de uma forma dinâmica, permitindo ao leitor/utilizador, uma leitura interactiva e multidireccional. Este novo sistema altera os conceitos de comunicação estabelecidos e cria uma nova forma de relação entre o sujeito e o texto, onde a passagem de "texto" para "hipertexto" pressupõe um alargar de fronteiras, na passagem da textualidade precedente a um sistema ilimitado de interligações, como uma teia que vai crescendo, ramificando-se em dinâmicas redes de textos flexíveis e abertos, maleáveis às intenções de cada leitor.

"Por hipertexto entendo uma escrita não sequencial - um texto que se ramifica e permite ao leitor fazer escolhas e construir uma leitura mais adequada num ambiente interactivo." Ted Nelson


HIPERMÉDIA

O conceito de hipermédia, decorrente da noção de hipertexto, designa a ligação dinâmica de informação não textual, como seja toda uma variedade de imagens e sons, gráficos e vídeos, constituíndo um sistema de navegação fluente de signos que compõem a gramática audio-scripto-visual. Cada unidade mínima de significação, ao contrário de ver reduzida a sua importância, é investida de um valor acrescido no contacto com as outras unidades com as quais partilha o espaço comunicacional, o que acarreta um enriquecimento deste, quer no seu sistema de significantes, quer no seu sistemas de significados



Texto e Imagem


O livro pré-moderno é iminentemente heterogéneo, não há texto sem iluminura ou cercadura. Palavra e imagem comungam do mesmo espaço de visibilidade, partilhando o sistema significante e interagindo na construção de significado.
A descoberta da imprensa e a emergência do livro moderno operou uma separação entre estes dois campos, autonomizando a palavra e homogeneizando o texto, que se impõe como soberano no espaço comunicacional e relega a imagem para uma plano secundário, exterior à textualidade e dependente desta.

O sistema hipermediático vem revitalizar esta relação, lançando um sistema significante multifacetado, feito de entrelaçamentos de várias linguagens, nenhuma das quais determinante em relação às outras. Texto e imagem ocupam agora dois campos autónomos, no sentido de que nenhum é subjugado ao outro, mas interagem profundamente, num enriquecimento do campo comunicacional anteriormente impossível, quer pelo enriquecimento individual de cada um (de notar que a imagem num ambiente electrónico reveste-se de todo um mundo de novas potencialidades, quantitativas e qualitativas, que o papel não oferecia, nomeadamente a possibilidade de introdução de movimento através de trechos de vídeo) quer pelo uso em conjunto das duas áreas comunicacionais.


Estrutura narrativa

A narrativa, organização textual característica do livro moderno, põe em cena a relação entre logos e cronos, um aliança entre a temporalidade e a logicidade do texto. Esta desenvolve-se segundo um princípio lógico de estruturação, que impõe uma sucessão de causa-efeito que se projecta numa temporalidade e que depende desta. O texto narrativo é um texto fechado segundo um princípio organizador que leva a um fim. Há um telos no texto, que permite que as acções se liguem e que se desenvolvam com vista a uma finalidade (um desenlace) que marca o fim da narrativa. Este tipo de estrutura é abandonada no sistema hipertextual, já que aqui a obra é iminentemente aberta e a informação teoricamente infinita.


Livro


A configuração da textualidade moderna apareceu com a própria descoberta da imprensa e difusão do livro. O livro impresso é, na modernidade, um lugar predominante no modo de aceder ao texto. Com o seu aparecimento a escrita ganha forma e volume, institui-se como objecto de troca; entra no circuito de comunicação; dessacraliza-se, individualiza-se e privatiza-se. A escrita ganha materialidade e o livro torna-se o elemento necessário à exteriorização do texto, cria-se um espaço de visibilidade que ao delimitar o texto o mostra. "A moldura está para a pintura como o livro está para a escrita". Esta limitação não é apenas de ordem física. O texto posto em livro constitui-se como algo de coerente e fechado, que se desenvolve em torno de uma linha condutora e que tende para um fim. Os seus limites são balizados por aquilo a que damos o nome de paratexto (aquilo que está à sua volta, que o rodeia e que acaba por o criar).
O livro, e o campo comunicacional que este instaurou, serve de base para a constituição do paradigma dominante na era Gutemberg.


Paratexto

O paratexto é uma zona de fronteira, que estipula os contornos do texto e que o institui como obra. Este não é apenas um elemento de fronteira geográfica, de transição do dentro para fora, mas também uma mudança de estatuto, já que institui o texto com obra e o inscreve no circuito de comunicação. Os seus elementos constituintes (título, nome de autor, epígrafe, notas de rodapé, entre outros) têm uma capacidade performativa e uma função pragmática, orientando os modos de aceder ao texto e criando protocolos de leitura.

Com o hipertextos, estes elementos perdem-se, abandonando o texto a uma condição de virtualidade e de abertura. Contudo, muita da informação contida nestes elementos do livro impresso são inseridas e absorvidas pelo próprio texto, como é o caso das notas de rodapé.


Notas de rodapé

Quando ao lermos um texto encontramos um número de símbolos que indicam a existência de uma nota de rodapé, deixamos o texto principal para ler essa nota, que pode conter uma citação, um tomada de posição em relação ao texto, uma referência bibliográfica, etc. A nota pode também sumariar informação sobre fontes, influências e textos paralelos. Em qualquer dos casos, o leitor pode seguir a ligação para outro texto indicado pela nota e assim sair totalmente do texto principal. Após ter lido a nota ou ter decidido que esta não merece uma leitura cuidadosa no momento, voltamos ao texto principal e continuamos a leitura até encontrar uma outra nota, que nos leva de novo para fora do texto principal.
O texto electrónico introduz estas informações no próprio corpo do texto, através de ligações dinâmicas, o que torna a sua consulta mais fácil. A diferença é que aqui estas informações podem conter outros textos e outras obras, que existem de forma autónoma e não como informações secundárias e dependentes do texto inicial


De Gutenberg a Marconi

A descoberta da imprensa foi o marco fundador de um paradigma de comunicação dominante durante décadas, que condicionou a nossa forma de aceder à palavra e de nos relacionarmos com ela. Este paradigma está lentamente a dar lugar a outro cuja essência, podemos afirmar, assenta no modelo hipertextual. Esta passagem consubstancia a tendência, por um lado, de substituição do suportes analógicos pelos suportes digitais e, por outro, de abandono dos modelos mass mediáticos em favor da emergência dos self media. Toda a informação que dantes registávamos em suportes analógicos como o papel, pode ser transformada em cadeias de 0 e 1, um sistema binário que permite a sua conversão para suportes digitais. O que se perde em contacto físico, ganha-se em capacidade de armazenamento, durabilidade e facilidade de acesso, algumas das características que as novas estruturas comunicacionais emergentes acarretam. Os dispositivos de comunicação emergentes substituem uma comunicação unidireccional por outra interactiva, pressupondo não uma massa uniforme de indivíduos, mas um receptor actuante que escolhe a informação que recebe consoante o seus interesses específicos.


Mudança de Paradigmas

Hoje encontramo-nos num período de ruptura tecnológica e cultural análogo àquele que Gutenberg e a imprensa protagonizaram. Uma transição deste tipo, pela multiplicidade e complexidade a ela associada, não se impõe radical e bruscamente, mas desenvolve-se através de um processo contínuo que envolve décadas, ou mesmo séculos, de mudanças graduais e habituação, durante o qual várias práticas de leitura, modos de escrita e de publicação e concepções de literatura co-habitam. Só gradualmente a sociedade vai absorvendo os novos modelos de comunicação, e só gradualmente estes se vão transformando e transformando a sociedade, num jogo recíproco de influências.

Calcula-se que só por volta de 1700 a tecnologia da imprensa reordenou e reestruturou de forma definitiva a sociedade, transformando os países mais avançados da Europa de sociedades orais para escritas. Quanto tempo demorará o hipertexto informático a dar origem a semelhantes mudanças? Quanto tempo demorará para que a linguagem electrónica se torne penetrante cultural e socialmente, ao ponto de produzir mudanças tão profundas como aquelas resultantes da descoberta da imprensa? Quais serão ao certo as modificações que estas novas tecnologias implementarão na sociedade? Em relação a estas perguntas podemos apenas fazer previsões, já que uma resposta definitiva só com o tempo chegará. Entender a lógica de uma tecnologia particular não permite descobrir de uma forma mecânica as consequências desta na sociedade e cultura, mesmo porque, sob várias condições, a mesma tecnologia pode produzir efeitos diversos ou mesmo contraditórios.


Estruturalistas e pós-estruturalistas

Roland Barthes, tal como muitos outros estruturalistas e pós-estruturalistas, descreve uma textualidade ideal que em muito se assemelha ao que se veio a tornar o hipertexto informatizado. Ele concebe um texto composto de unidades de palavras ou imagens ligadas por múltiplos caminhos, correntes ou trechos numa textualidade aberta e perpetuamente infinita, descrita por termos como ligação, nó, rede e teia.
"Neste texto ideal, as redes são várias e interagem, sem que nenhuma delas sejam capaz de se sobrepor às outras; este texto é uma galáxia de significantes, não uma estrutura de significados; não tem um início; é reversível; acedemos a ela por diferentes entradas, nenhuma das quais podendo ser considerada como a principal; os códigos que ela mobiliza estendem-se tão longo como os olhos podem alcançar; o sistema de significado pode tomar conta deste texto absolutamente plural, mas o seu número nunca é fechado, porque é baseado na infinitude da linguagem."
Também Michael Foucault fala num texto concebido em termos de rede e ligações. Na Arqueologia do Saber, ele afirma que as fronteiras de um livro nunca são claramente traçadas porque este insere-se num sistema de referências a outros livros, outros textos, outras frases: é um nó dentro de uma rede de referências.
Jacques Derrida, por sua vez, enfatiza a abertura textual, a intertextualidade e a irrelevância de uma distinção rígida entre o interior de um texto e o seu exterior, pelo facto deste estar ligado, pelo menos virtualmente, ao sistema da língua em que é escrito.

Nas teorias estruturalistas e pós-estruturalista do texto há todo um esforço de enfatizar o texto como intertextualidade, não como um objecto isolado, mas em permanente ligação e contaminação com outros. O sistema hipertextual criado pelos investigadores tecnológicos não foi criado intencionalmente para suportar as teorias pós-modernas, mas veio a materializar muitos dos seus pressupostos teóricos.

1 comment:

Anonymous said...

Quem me dera desenvolver conceitos como os vossos!

Ena, viva os conceitos!!